Itabirinha (10 mil habitantes) e Marilac (4.000) receberam cada quase o dobro da verba de BH
Com respectivamente 10 mil e 4.000 habitantes, as pequenas cidades de Itabirinha e Marilac, na região do Rio Doce, não têm apenas a região geográfica como coincidência. Os dois municípios foram os que mais receberam emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2023, até o momento.
Em Itabirinha, os cofres públicos municipais foram turbinados com R$ 10,4 milhões, enquanto em Marilac o montante é de R$ 9,4 milhões. Para efeito de comparação, o recurso para a capital Belo Horizonte, que tem cerca de 2,3 milhões de habitantes, foi de R$ 5,3 milhões.
Em Marilac, o volume chama tanto a atenção que, se o dinheiro fosse igualmente dividido entre a população, cada morador receberia R$ 2.243,53, o equivalente a 1,5 salário mínimo.
Os dados fazem parte da base de dados aberta do Portal de Emendas Estaduais e foram consolidados por O TEMPO. Os montantes são definidos pela Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, portanto ainda engloba parlamentares da legislatura passada. Deputados novatos não entram no levantamento.
Com o maior volume de emendas do Estado, Itabirinha recebeu dinheiro de três deputados: R$ 3,1 milhões de Thiago Cota (PDT), R$ 2,1 milhões de Douglas Melo (PSD) e R$ 2 milhões de Leandro Genaro (PSD). O restante veio de emendas de blocos parlamentares. Todo o recurso chegou a Itabirinha por meio da chamada “transferência especial”, na qual o político nem sequer especifica como o dinheiro será usado. Nesses casos, portanto, os prefeitos têm carta branca para usar a quantia como bem entender.
A situação é idêntica à da pequena Marilac, que está entre as 200 menores prefeituras de Minas Gerais. Dos R$ 9,4 milhões recebidos, nem um centavo sequer tem destinação definida pelos deputados. O recurso tem as assinaturas de três parlamentares: Charles Santos (Republicanos), Osvaldo Lopes (PSD, que hoje está sem mandato) e o líder do governo Zema na Assembleia, João Magalhães (MDB).
Os repasses mais volumosos são de Charles Santos, que enviou R$ 3 milhões, e de João Magalhães, responsável por R$ 2,4 milhões.
Jogo velado
Para a cientista política Juliana Fratini, mestre em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Itabirinha e Marilac liderarem o ranking de recebimento de emendas parlamentares chama muito a atenção. “Não há nada que justifique (o volume recebido), pois o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de ambas as cidades está abaixo da média nacional”, afirma Juliana.
“Os gastos que esses prefeitos fazem precisam ser acompanhados regularmente pelas autoridades para saber se os recursos estão sendo aplicados de maneira correta, sobretudo porque esses deputados representam cidades muito pequenas. Trata-se de um jogo político de forma velada, para que deputados enviem recursos sem destinação clara”, completa.
Deputados admitem investir em redutos
O deputado estadual João Magalhães (MDB), líder do governo Zema na Assembleia, afirmou que enviou R$ 2,4 milhões para Marilac porque sempre foi o líder de votos na cidade. No pleito do ano passado, ele recebeu 44% dos votos válidos da localidade. “Eu prefiro transferir uma grande quantidade para uma cidade do que dividir demais, porque assim o prefeito consegue fazer alguma coisa. Todos os anos, eu escolho duas, três cidades para enviar a emenda”, disse. Sobre o recurso não ser carimbado, Magalhães disse que não se trata de convênio, portanto não há tal necessidade.
Já o deputado estadual Douglas Melo, que destinou R$ 2,1 milhões para Itabirinha, disse que a “fiscalização sobre o uso dos recursos cabe à Câmara de Vereadores”. “O prefeito (Lucas Donadia, do PSD) é um jovem do nosso partido, que acreditamos que será uma liderança regional. Estou apostando que terei uma nova região para trabalhar e ter o reconhecimento dos eleitores”, afirma.
O deputado estadual Thiago Cota, por sua vez, afirmou que “recebeu expressiva votação em Itabirinha”, cidade para a qual destinou R$ 3,1 milhões em emenda. “Em qualquer cidade, para que as soluções cheguem, são necessários investimentos. Dessa forma, os recursos de emendas parlamentares foram destinados para infraestrutura e melhoria na qualidade de vida dos cidadãos”, informou.
Os deputados Leandro Genaro e Charles Santos foram procurados e não haviam respondido até a publicação desta reportagem.
Verba de deputados ‘salva’ cidades que perderam receitas
O prefeito de Marilac, Edmilson Valadão de Oliveira (MDB), explicou que as emendas parlamentares se tornam a salvação de muitas cidades pequenas, que dependem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Ele afirmou que a arrecadação do município despencou por causa da redução da alíquota do ICMS para serviços essenciais, como combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, promovida pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) na tentativa de se reeleger.
“Nós não temos uma arrecadação própria. Dependemos exclusivamente dos governos federal e estadual. Então, eu vou ao menos duas vezes por mês a Belo Horizonte e a Brasília para poder bater à porta dos deputados que eu conheço. Saio pedindo para projetos que a gente faz”, revelou.
Segundo o chefe do Executivo de Marilac, os R$ 9,4 milhões recebidos de emendas parlamentares neste ano estão sendo utilizados para urbanização, saneamento, esporte e assistência social.
Já a Prefeitura de Itabirinha informou, em nota, que “a captação de recursos é fruto de anos de relacionamento político criado entre diversos setores governamentais”. De acordo com o Executivo, os R$ 10,4 milhões arrecadados via emendas são usados na criação de um polo industrial e de um centro de recuperação fisioterápica.
Também há investimentos em habitação e ampliação da rede de saúde. “Acreditamos que esse seja o melhor caminho para potencializar o município e proporcionar um amplo desenvolvimento”, informou a nota da Prefeitura de Itabirinha.
Em nota, o governo de Minas informou que “os novos deputados não têm direito a emendas parlamentares pelo fato de ainda não terem tomado posse durante a tramitação da LOA, aprovada no ano passado”. Segundo a gestão, “cabe reforçar que não existe ‘emenda extra’. O que acontece é que todo e qualquer agente político (deputado, prefeito, vereador), e até mesmo a sociedade civil, pode demandar ações e investimentos ao Estado”. Ainda conforme o Executivo, “a aplicação destes recursos é avaliada de maneira técnica e financeira, podendo ser atendida ou não”.
Prioridade é organizar a própria casa
A terceira cidade mineira que mais recebeu recursos emendas parlamentares até o momento neste ano foi Engenheiro Caldas (região do Rio Doce). Neste caso, porém, os R$ 7,8 milhões têm sua maior parte ligada a um mesmo político: o ex-deputado estadual Léo Portela (PL), que não tentou a reeleição em 2022. Irmão da atual parlamentar Alê Portela e filho do deputado federal Lincoln Portela, ambos do Partido Liberal, ele encaminhou R$ 5,9 milhões para a cidade de 11 mil habitantes. O restante veio do próprio PL.
Assim como nos casos de Marilac e Itabirinha, as emendas de Engenheiro Caldas não têm destinação definida – novamente trata-se de “transferências especiais”. Léo Portela afirmou que enviou todo o seu recurso de emenda parlamentar para Engenheiro Caldas porque acredita na gestão do atual prefeito Juninho Dutra (PL).
“Eu fui o mais votado na cidade (em eleições anteriores), assim como minha irmã Alê Portela (a atual deputada estadual recebeu 47% dos votos válidos da cidade em 2022). Então, nada mais justo que recompensar a cidade com esse recurso. Foi um ato de encerramento do meu mandato”, defendeu.
A quarta cidade que mais recebeu recursos foi Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas. Com perfil bem diferente dos demais líderes do ranking, o município recebeu R$ 6,6 milhões em emendas. Ainda assim, um fato chama a atenção: a maior parte do dinheiro, cerca de R$ 5,7 milhões, entrou no caixa do prefeito Gleidson Azevedo (Novo) com a assinatura do seu próprio irmão, o agora senador Cleitinho Azevedo (Republicanos). Novamente, por meio de “transferências especiais”, sem uso carimbado.
Cleitinho afirmou que é contra as emendas, apesar de ter distribuído R$ 31,1 milhões desde 2019 só por meio desse dispositivo. “Por mim não deveria nem existir emenda. Mandei para Divinópolis porque é minha cidade, e não adianta cuidar da casa dos outros se eu não cuido da minha. Quando era o outro prefeito, também mandava emenda, e, como senador, vou continuar mandando”, reiterou o parlamentar.
FONTE: https://www.otempo.com.br/politica/cidades-menores-levam-fatia-maior-de-emenda-parlamentar-em-minas-1.3227805