Criado nos anos 1970 na Tribuna Metalúrgica, folhetim editado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, o personagem João Ferrador representava a entidade e passava a maior parte do tempo resmungando o bordão: “Hoje eu não tou bom!”. Baseados no mau humor e na expressão raivosa do personagem, muitos acreditam que João Ferrador seja uma caricatura do presidente do sindicato na época: Lula.
Passados 50 anos, João Ferrador e os cartunistas que o desenham mudaram. Lula continua o mesmo. Assim como o chefe, os petistas não sabe sorrir. Em vez de comemorarem a vitória, preferem celebrar a derrota do adversário. Há um ano, não conseguem atravessar um único dia sem falar de Jair Bolsonaro. Recentemente, por exemplo, a primeira-dama propôs aos militantes que não chamassem ninguém de “bolsonarista” — deveriam trocá-lo por “fascista”. “Se tudo der certo, Bolsonaro logo vai estar na cadeia”, arrematou Janja.
Se essa obsessão existe mesmo quando são vitoriosos, quando perdem a situação fica pior. Como a economia não cresce, os salários não melhoram, o crime organizado ganha cada vez mais espaço e as eleições de 2024 podem ser um problema, preferem radicalizar em vez de apresentar ideias e propostas. É o que mostra J.R. Guzzo, no texto de capa desta edição.
“Não faz diferença, a esta altura, examinar por que, exatamente, o governo Lula-3 fracassou tão rapidamente”, observa Guzzo. “Lula sabe que não ganhou a eleição de 2022; só é presidente porque foi colocado na sua cadeira pela dupla STF-TSE. Mas a junta de governo que formou com o alto Judiciário lhe deu apenas a Presidência da República — e garante a execução de suas vontades. Não o ajuda a governar.”
A aprovação de Flávio Dino para o STF garantiu a Lula outro aliado no Judiciário. Foi assim que este 13 de dezembro, data eternizada em 1968 pela decretação do AI-5, agora também se transformou no dia em que entrou para a história da política brasileira a mais vergonhosa sabatina já realizada no Senado para o preenchimento de uma vaga no STF, afirma Silvio Navarro.
Dino teve o aval de 47 senadores, seis além do mínimo exigido. A pequena diferença torna mais constrangedor o desempenho de parlamentares como Mara Gabrilli, que se absteve de votar, e Sergio Moro, que trocou recados suspeitíssimos com seu conselheiro Mestrão e risonhos abraços com Dino. “A sensação que fica para o povo do lado de fora da Corte é que tudo lá dentro é atuação, jogo de cena, uma grande família trocando farpas em público, mas afagos em privado”, escreve Rodrigo Constantino em sua coluna.
“Vocês não sabem como eu estou feliz hoje”, berrou Lula nesta quinta-feira, na 4ª Conferência Nacional de Juventude, em Brasília. “Pela primeira vez na história desse país nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino.”
A fala de Lula acelera a desmoralização do Senado e também da cúpula do Judiciário. O tom de voz comprova que João Ferrador está mais vivo — e mais irritado — do que nunca.
Branca Nunes
Diretora de redação ( Revista Oeste)